Aviso já no início: O papo hoje é longo. Iremos refletir sobre a
realidade e a ilusão, sob uma ótica
jurídico-filosófica-histórica-reflexiva… Ufa!
Se estás com pouco tempo, separe este texto para ler com calma depois. Prometo que vale a pena.
Nossa narrativa começa com com um texto do Rei Salomão e um acordo
que fez com o rei dos demônios, Asmodeus (vamos esquecer qualquer
conotação religiosa, ok?).
Neste acordo, ele pede para conhecer o que é ilusão. Temos o desenrolar do texto e um final muito interessante.
Porque muitos na sua profissão criam ilusões. Muitos acreditam que
chegaram ao topo, que são reis, que são os maiorais e na verdade não
passam de mendigos da alma, da vida, do próprio dinheiro.
O Rei Salomão era rei pelo seu senso de justiça, misericórdia e amor. Não pelas suas posses.
O Rei Mendigo. Uma fábula judaica sobre o rei Salomão.
Durante a construção do Templo em Jerusalém, o rei Salomão
conservou Asmodeus, o rei dos demônios, como seu prisioneiro; era para
prevenir que nenhuma força do mal, que Asmodeus comandava, interferisse
na construção do Templo. Quando a construção acabou, o rei Salomão
chamou Asmodeus, e disse-lhe que o libertaria se primeiro ele revelasse
um único segredo. Asmodeus, então, falou:
— Conta-me primeiro, ó rei, qual é o segredo que desejas conhecer?
E Salomão respondeu:
— De muitos mistérios, eu sou o
senhor, Asmodeus; da linguagem dos pássaros, dos segredos dos ventos, e
dos mistérios do Inefável Nome. Mas há um mistério que permanece oculto —
é o segredo da Ilusão. E é muito importante para mim desvendar e
aprender sobre este mistério, pois como rei sou freqüentemente chamado a
distinguir a verdade da ilusão.
Asmodeus, ao ouvir tais palavras, aquiesceu:
— Concordo em te revelar este
segredo. Mas não posso fazê-lo enquanto permanecer preso nestas
correntes, nem enquanto não me entregares o anel que estás usando,
gravado com o Nome. Pois, na presença do Nome, meus lábios ficam
selados.
Ao ouvir isto, Salomão achou coerentes as palavras de Asmodeus e,
para aprender o segredo, soltou-o e entregou-lhe o anel. Asmodeus, assim
que se viu livre e de posse do anel, atirou-o tão longe, que se perdeu
no horizonte, e foi cair no mar. Então, aproximou-se de Salomão, que
ficara parado, totalmente desprotegido diante dele. Elevou uma de suas
asas até os céus, e com a outra, tocando a terra, apanhou Salomão do
trono onde ele estava sentado e o arremessou para mil milhas distantes
de Jerusalém.
Então Salomão voou através dos céus como uma flecha e finalmente
caiu no campo de um país estrangeiro. Quando se levantou, estava como um
homem bêbado que perdeu seu caminho, que não sabe onde está indo ou o
que está fazendo. Ele perambulou por um longo tempo, até ficar com sede
e, finalmente, encontrou uma poça. Mas, quando se agachou para beber e
viu seu reflexo na água, não foi o reflexo de um rei majestoso que ele
viu, mas o de um mendigo miserável. A luz que iluminava sua face havia
desaparecido, e não havia mais uma coroa em sua cabeça. Esmagado pela
imensidão de sua perda, Salomão mergulhou na tristeza e no pesar e
adormeceu. E sonhou com a Estrela da Manhã, a primeira que é vista, a
verdadeira soberana dos céus à noite. Sonhou que ela tinha se deslocado
de seu lugar e mergulhado como um meteoro no mar. Quando Salomão
despertou e se lembrou do seu sonho, ele tremeu, pois entendeu seu
significado. Pela manhã, começou sua caminhada, que durou muitos anos.
E foi assim, desprovido de seu reino,
que Salomão caminhou, mendigando pelo pão de cada dia. No início, é
verdade, por onde passava, insistia em dizer que era um rei. Mas aqueles
que o viam nos seus trapos não lhe faziam caso e achavam que ele era
mais um pedinte a ficar louco. Após três anos vagando, Salomão chegou a
um reino governado pelo rei Amon. Um dia, quando estava parado numa das
ruas da capital, o cozinheiro real passou por ele carregando cestas
cheias de alimentos de todos os tipos. O rei mendigo ofereceu sua ajuda
para carregar as cestas e desta maneira obteve as graças do cozinheiro
real. Assim Salomão trabalhou como ajudante por muitas semanas na
cozinha até que um dia pediu ao cozinheiro, que tinha se tornado seu
amigo, que o deixasse preparar a comida real. O cozinheiro consentiu, e
Salomão preparou um suntuoso banquete. Quando o rei Amon experimentou a
comida, chamou o cozinheiro real e perguntou:
— Quem foi que fez esta comida? Pois você nunca me trouxe uma comida tão exótica.
O cozinheiro então contou que a
refeição havia sido preparada por Salomão e, desde então, somente
Salomão é que preparava sua comida.
Como chefe da cozinha real, Salomão
atraiu a atenção de Naamah, a filha do rei, que se apaixonou por ele e
quis tê-lo como marido. Salomão também se apaixonou por Naamah, e logo
ela anunciou a seu pai que queria casar-se com ele. Mas o rei Amon ficou
furioso. Como poderia sua filha, uma princesa, escolher para seu marido
um cozinheiro, tendo aos seus pés todos os príncipes do mundo? E, na
sua raiva, ordenou que levassem o casal para um deserto onde eles foram
deixados para morrer.
Aconteceu então de estarem, Salomão e Naamah, completamente
sozinhos numa vasta região selvagem. Não tinham nenhuma provisão de
alimentos ou água, e o sol sobre eles parecia fogo queimando seus
corpos. Tudo o que tinham era a roupa do corpo e um cajado que Salomão
carregava consigo. Ocorreu então a Salomão que este bastão deveria lhe
servir como uma vara divina e, utilizando-o dessa maneira, encontrou uma
corrente de água, que fluía embaixo das areias. Então, ele cavou um
poço que se encheu de água clara e fresca, e foi aí que eles construíram
sua casa. Com os frutos que encontraram, eles se sustentaram. Com as
pedras que ajuntaram, Salomão construiu uma cabana. Com a água, irrigou e
fertilizou a terra. Ali plantou várias espécies de frutas que ia
encontrando pelo lugar, inclusive muitas variedades de cactos que davam
frutos. Foi assim que, depois de alguns anos, fizeram daquele deserto um
lar, e transformaram-no num oásis. Tiveram três filhos, que criavam
juntos, dois meninos e uma menina. Com o tempo, Salomão esqueceu da sua
vida como rei, e pensava em si como num homem que construiu seu lar no
deserto. Não sentia falta de sua vida anterior, pois seus dias eram
plenos e suas noites pacíficas. Enquanto rei, ele tivera muitas noites
insones tentando chegar a decisões justas. Assim se passaram doze anos.
Então, um dia aconteceu vir, do alto do nada, uma nuvem muito escura que
cobriu todo o deserto, tão longe que eles não conseguiam enxergar em
nenhuma direção. Choveram grandes quantidades de água, tão grandes, que
formaram rapidamente ondas enormes, que fizeram pedaços da cabana de
Salomão, e levaram na enxurrada sua mulher Naamah. Salomão bateu-se com
as águas, com uma criança no seu braço esquerdo e as outras duas no
direito. Logo em seguida veio uma outra onda enorme que arrebatou as
crianças de seu poder, e ele as perdeu. O mundo escureceu a sua volta, e
ele foi carregado pela torrente e jogado a uma grande distância.
Quando despertou, correntes prendiam seus pés e suas mãos.
Procurando, ele descobriu que havia sido capturado por ladrões que o
encontraram inconsciente após a tormenta. Os ladrões o carregaram e o
venderam como escravo, mas Salomão não se abalou quando viu qual tinha
sido o seu destino. Ele estava desolado e aflito com a perda de sua
família. Salomão foi vendido como escravo a uma caravana, que o levou
através do deserto escaldante. Chegando a um reino estrangeiro, foi
finalmente vendido a um ferreiro. Como escravo do ferreiro, Salomão era
obrigado a trabalhar no fole para que o fogo não se apagasse, e já que
Salomão era um trabalhador sério, o ferreiro logo confiou nele e o
respeitou. Acontece que este ferreiro tinha um filho que queria ser
ourives e era mesmo bem habilidoso neste ofício. Entre as habilidades
que Salomão possuía, uma delas era a de ourivesaria; no seu tempo livre,
ele ensinou o filho do ferreiro, cuja arte cresceu tanto, que ele foi
capaz de ocupar um posto na corte do rei.
Um dia, quando o jovem joalheiro
estava visitando o pai, ele conversou com Salomão que pediu a ele que o
deixasse fazer uma jóia para o rei. O jovem concordou, e dessa maneira
Salomão fez uma pomba de ouro, incrustada com rubis, esmeraldas,
turquesas, “pedras da lua”, pérolas e diamantes. Atrás da pomba, ele
colocou um fino ramo de ouro no qual pendurou sinos que pareciam botões
em flor. Quando o jovem joalheiro presenteou esta jóia ao rei, este
ficou maravilhado com a sua beleza e a grande habilidade de seu criador.
Ele então perguntou ao joalheiro o por quê desta jóia ser tão superior a
tudo o que ele já havia anteriormente criado. O jovem confessou ao rei
que esta obra havia sido feita, na verdade, por um escravo que
trabalhava para seu pai, o ferreiro. Assim foi que o rei ordenou a
compra de Salomão e ele se tornou o chefe dos joalheiros do palácio.
Desta forma, Salomão chamou a atenção do rei, que reconheceu nele
grande sabedoria. Pouco a pouco, o rei trazia Salomão para debater
negócios do reino e pedia seus conselhos para os grandes e pequenos
assuntos. Acontece que, por esta época, a filha do rei, estava obcecada
por um sonho que a atormentava noite após noite. No sonho, ela via um
homem escalando um penhasco alto onde havia uma caverna cuja entrada
tinha o formato de uma meia lua. Ela nunca via o rosto do homem que
escalava, mas, como sempre acontece nos sonhos, seus olhos o viam assim
que ele entrava na caverna, e via que ele retirava de uma rachadura da
parede uma jóia de imensa beleza, iluminada por dentro como se fosse uma
chama.
A princesa ficou obcecada pela idéia de que ela deveria possuir
esta jóia de qualquer forma e, enquanto suspirava pela jóia, sua saúde
foi se deteriorando, e ela recusava-se a sair do seu quarto. Finalmente,
uma noite ela pôde, num relance, reconhecer o rosto do homem que
escalava o penhasco, e o rosto que ela viu foi o de Salomão.
Quando ela relatou este sonho a seu
pai, o rei entendeu que deveria incumbir ao seu sábio joalheiro Salomão,
da tarefa de encontrar a caverna e trazer a jóia que tão
desesperadamente sua filha desejava. Salomão não hesitou em assumir a
tarefa, muito pelo contrário, logo se pôs em ação. E como ele procedeu?
Ele lembrou-se de que a entrada da caverna do sonho da princesa tinha o
formato de meia lua. Fora ali que ela avistara o penhasco com a caverna
ao lado, e era o que ele deveria buscar.
Assim, Salomão viajou por muitos anos e, em cada lugar que chegava,
perguntava por uma caverna com a entrada em forma de meia lua, mas
ninguém nunca tinha ouvido falar deste lugar. Até que um dia Salomão
ouviu uma criança chamar outra na rua: “Vamos até o esconderijo da meia
lua”. Ao ouvir isso, Salomão nem pôde acreditar na sua sorte e
dirigiu-se ao menino pedindo-lhe que o levasse ao lugar. Quando lá
chegaram, Salomão viu o penhasco com uma caverna ao lado, cuja entrada
tinha o formato de meia lua. Ele alegrou-se, deu ao menino uma moeda de
prata e começou a escalar o penhasco. Levou quase uma hora para alcançar
a sua entrada no alto do penhasco, e quando a atingiu, estava
extenuado. Então ele procurou em todas as fendas da parede, mas não
encontrou nada que se assemelhasse com a jóia vista pela princesa. Tudo o
que ele encontrou foi uma pedra tosca, que não se diferenciava das
outras que estavam lá dentro. Mas como não havia nenhum outro indício,
Salomão deu um golpe com a pedra na parede e esta se partiu em duas.
Neste momento, uma jóia linda e brilhante caiu da pedra, e Salomão
entendeu que sua missão estava realizada. Colocou a jóia numa bolsa
agarrada a seu corpo, deitou-se e adormeceu.
Estava tão cansado que dormiu por algumas horas. Quando despertou,
percebeu que a caverna não estava mais iluminada pela luz de fora, pois o
céu tinha escurecido totalmente. Quando foi para a saída da caverna e
olhou para baixo, viu uma corrente de água vindo, e que as águas
avolumavam-se e aproximavam-se da entrada da caverna. Outra onda veio e
começou a encher a caverna, e Salomão sentiu que corria um grande perigo
de afogar-se. Agarrou-se a uma rocha quando uma nova onda o abarcou e,
quando ela retrocedeu, atirou-se na água na direção da saída da caverna.
Seguindo a corrente, foi levado longe. Quando a onda finalmente deixou
Salomão em pé, ele viu que ela o havia trazido ao reino de onde saíra
para buscar a jóia. Com alívio e alegria, Salomão correu ao palácio, deu
a jóia ao rei, relatando tudo o que lhe havia ocorrido. Quando a
princesa viu a jóia de seus sonhos, a alegria substituiu a tristeza, e
sua recuperação foi rápida e completa.
O rei deste lugar estava tão
agradecido a Salomão por ter tornado possível a recuperação da princesa,
que disse a Salomão que ele poderia escolher o que quisesse. Salomão,
então pela primeira vez, contou ao rei toda a sua verdadeira história,
que ele também havia sido um grande rei. Pediu que lhe fosse restituída a
liberdade, para que pudesse recuperar o seu reino. O rei logo satisfez o
seu desejo e ordenou que preparassem um navio, bem equipado, para
Salomão viajar. Nesta noite houve uma grande festa, brindaram e
alegraram-se.
Salomão zarpou no dia seguinte,
partindo em busca de seu reino perdido. Para se distrair na longa
viagem, resolveu pescar. E, na primeira vez que lançou seu anzol no mar,
achou, no fim da linha, um magnífico peixe dourado, jamais visto.
Salomão estava tão contente que resolveu ele mesmo preparar o peixe, ao
invés de confiá-lo ao cozinheiro do navio. Mas quando Salomão abriu o
peixe, ficou surpreso de encontrar na sua barriga o seu anel mágico,
gravado com o Inefável Nome, que Asmodeus havia atirado no mar. Salomão
alegrou-se em recuperar o anel, colocou-o no dedo e, neste mesmo
instante, ele se encontrou sentado no seu Trono em Jerusalém, com o
demônio Asmodeus parado à sua frente.
Então Asmodeus falou:
— Estamos esperando por você há quase uma hora, ó rei. Conte-me agora, você aprendeu alguma coisa sobre o mistério da Ilusão?
Salomão ficou tonto ao saber que ele havia ficado ausente apenas
por pouco tempo. Parecia-lhe que se haviam passado muitos anos. Mas
quando perguntou a seus ministros, eles confirmaram que somente uma hora
havia transcorrido desde sua partida. Então Salomão ordenou a soltura
de Asmodeus, pois ele havia atendido seu pedido. E assim que Salomão
falou, Asmodeus voou para bem longe, e nunca mais foi visto neste reino
enquanto durou o reinado de Salomão, no qual Salomão demonstrou uma
sabedoria e uma justiça misericordiosa sem igual, lembrada sempre por
todos.
História publicada em: Elijah’s Violin and Other Jewish Fairy Tales, tradução de Hilda Liberman.
Depois de toda esta leitura, uma pergunta é instigante: Como você
agiria em cada uma das ilusões do Rei Salomão? Com a mesma preocupação
que ele teve?
Derivando desta pergunta: Como você age na sua vida diariamente? Você
questiona a si mesmo o que é real, o que realmente está acontecendo de
verdade ou apenas vive na verdade apresentada pelas outras pessoas?
Parece simples, mas comece a pensar com razão sobre o tema e perceberá que não é simples não.
Veja o que era realidade na sua vida há dez anos atrás e o que é
hoje? Muitas coisas, pessoas, fatos, lutas, que há dez anos enfrentaste,
hoje sabe que não vale a pena.
Sinal de maturidade e evolução, mas prova que naquela época tudo era ilusão, comparado com a visão de hoje.
No campo profissional: A liderança e cuidado com os demais estão mais voltados ao Rei Salomão ou ao rei mendigo?
Aproveite a fábula e a reflexão.
Através do livre pensar é que encontramos as alternativas de desbaste
do nosso eu interior. E será com esta mudança na nossa pedra filosofal
que seremos cada vez mais reis da nossa vida com ilusões menores ou
suportáveis.